Introdução
A união estável é uma das formas de constituição de família reconhecidas pelo ordenamento jurídico brasileiro. Trata-se de uma realidade social que foi incorporada ao direito, garantindo proteção a casais que vivem juntos de forma pública, contínua e duradoura, com o objetivo de constituir família. Mais do que um conceito técnico, a união estável reflete a evolução da sociedade, que passou a valorizar a convivência afetiva mesmo sem a formalidade do casamento civil.
Com a Constituição Federal de 1988, a união estável passou a ser reconhecida como entidade familiar legítima, em igualdade de dignidade com o casamento. Essa mudança representou um marco na proteção da diversidade de modelos familiares, ampliando os direitos dos cidadãos e reafirmando o princípio da dignidade da pessoa humana. Neste artigo, exploraremos em profundidade os principais aspectos da união estável, seus direitos, deveres, efeitos patrimoniais, reconhecimento judicial e distinções em relação a outros institutos.
Origem e evolução histórica da união estável
A ideia de proteger juridicamente a convivência de casais fora do casamento não é recente. Em sociedades mais antigas, uniões informais eram vistas com desconfiança e muitas vezes marginalizadas. No Brasil, até meados do século XX, prevalecia a noção de que apenas o casamento formal gerava efeitos jurídicos, enquanto as chamadas “uniões concubinárias” eram discriminadas.
Foi a partir da segunda metade do século XX que a jurisprudência e a legislação começaram a mudar essa perspectiva. A crescente aceitação social da convivência não formalizada, aliada à necessidade de proteger famílias reais, levou à construção do conceito moderno de união estável. Esse processo se consolidou com a Constituição de 1988, que elevou a união estável ao status de entidade familiar protegida pelo Estado.
Definição legal de união estável
O Código Civil brasileiro de 2002, em seu artigo 1.723, define a união estável como a “convivência pública, contínua e duradoura entre duas pessoas, estabelecida com o objetivo de constituição de família”.
Essa definição estabelece elementos essenciais: publicidade, continuidade, durabilidade e intenção de constituir família. Não há prazo mínimo fixado em lei, mas a convivência deve ser séria e voltada para a formação de um núcleo familiar. Tanto casais heteroafetivos quanto casais homoafetivos são reconhecidos como possíveis formadores de união estável, em consonância com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.
Requisitos para configuração
Para que um relacionamento seja considerado união estável, alguns requisitos devem estar presentes:
- Publicidade – a relação precisa ser conhecida socialmente, sem ocultação.
- Continuidade – não pode ser uma relação intermitente ou casual.
- Durabilidade – deve haver convivência sólida, embora não exista prazo fixado.
- Intenção de constituir família – elemento central, demonstrando que o relacionamento vai além de um simples namoro.
A ausência de qualquer desses requisitos pode levar o Judiciário a não reconhecer a união estável. Por exemplo, relacionamentos secretos ou que careçam de prova de vida em comum dificilmente serão qualificados como tal.
Formas de reconhecimento
A união estável pode ser reconhecida de duas maneiras: de forma fática, pela própria convivência, ou de forma formalizada, por meio de documentos. A formalização não é obrigatória, mas confere maior segurança jurídica.
Formalização em cartório
Os companheiros podem lavrar uma escritura pública de união estável em cartório. Esse documento pode definir aspectos patrimoniais, como o regime de bens, e facilitar o reconhecimento perante órgãos públicos e privados. Também é possível firmar contrato particular registrado.
Reconhecimento judicial
Na ausência de escritura, a união estável pode ser reconhecida judicialmente. Nesse caso, o juiz analisa provas como contas conjuntas, dependência em planos de saúde, testemunhas, fotos e outros indícios da convivência. Muitas vezes, esse reconhecimento é buscado em ações de partilha de bens ou pensão por morte.
Direitos decorrentes da união estável
O reconhecimento da união estável gera efeitos jurídicos semelhantes aos do casamento. Entre os principais direitos, destacam-se:
- Direito patrimonial: aplica-se, salvo pacto em contrário, o regime da comunhão parcial de bens.
- Direito sucessório: o companheiro sobrevivente possui os mesmos direitos hereditários que o cônjuge, conforme decisão do STF em 2017.
- Direito previdenciário: acesso à pensão por morte e outros benefícios no âmbito do INSS.
- Direito de alimentos: possibilidade de pleitear pensão alimentícia em caso de necessidade.
Deveres dos companheiros
Assim como no casamento, a união estável impõe deveres recíprocos, que incluem:
- Fidelidade recíproca.
- Respeito e consideração mútua.
- Assistência moral e material.
- Guarda, sustento e educação dos filhos.
União estável e casamento
Apesar das semelhanças, há diferenças importantes entre união estável e casamento:
- O casamento exige cerimônia formal e registro civil, enquanto a união estável pode existir sem qualquer formalidade.
- No casamento, os efeitos jurídicos são imediatos; na união estável, pode haver necessidade de prova.
- A conversão da união estável em casamento é prevista pela Constituição e pelo Código Civil.
Essas diferenças não diminuem a importância da união estável, mas evidenciam que se trata de institutos distintos, com formas próprias de constituição.
União estável homoafetiva
Um dos maiores avanços no direito de família brasileiro foi o reconhecimento da união estável homoafetiva. Em 2011, o Supremo Tribunal Federal, por meio da ADI 4277 e da ADPF 132, reconheceu a plena igualdade de direitos entre casais heteroafetivos e homoafetivos no que diz respeito à união estável.
Esse marco histórico consolidou o princípio da igualdade e da dignidade da pessoa humana, garantindo a esses casais direitos patrimoniais, previdenciários e sucessórios.
Namoro qualificado x união estável
Nem todo relacionamento longo e público configura união estável. Existe a figura do namoro qualificado, em que há convivência duradoura e até certa publicidade, mas sem intenção clara de formar família. Nesse caso, não se reconhecem os efeitos da união estável.
O Superior Tribunal de Justiça tem reiteradamente decidido que a intenção de constituir família é o critério determinante para diferenciar namoro de união estável.
Efeitos sucessórios
No campo sucessório, a união estável passou por grande evolução. O Código Civil de 2002 estabelecia diferenças entre companheiro e cônjuge, mas o STF, em 2017, declarou inconstitucionais tais distinções. Hoje, o companheiro sobrevivente tem os mesmos direitos do cônjuge na herança, assegurando igualdade plena.
Aspectos previdenciários
Um dos efeitos mais relevantes da união estável é no campo previdenciário. O INSS reconhece o direito do companheiro à pensão por morte, desde que comprovada a convivência. Documentos como declaração de dependência, certidões, contas conjuntas e testemunhas são aceitos como prova.
A jurisprudência tem flexibilizado as exigências, reconhecendo a união estável mesmo em casos em que não havia formalização documental, desde que presentes provas suficientes.
União estável e contratos patrimoniais
Os companheiros podem firmar contrato escrito para definir o regime de bens. Na ausência de contrato, aplica-se a comunhão parcial. Esse contrato pode ser feito por escritura pública ou documento particular registrado. Essa liberdade contratual confere flexibilidade à união estável, permitindo adequação às necessidades do casal.
União estável e a monogamia
Questão controversa diz respeito às chamadas uniões paralelas. O STJ tem decidido que não é possível reconhecer duas uniões estáveis simultâneas, pois vigora no direito brasileiro o princípio da monogamia. Assim, a união estável não pode ser reconhecida quando há impedimento matrimonial absoluto.
Comparações internacionais
A união estável brasileira pode ser comparada a institutos estrangeiros, como o common law marriage nos Estados Unidos e a cohabitation em países europeus. Embora existam diferenças culturais e legais, todos refletem a necessidade de proteger relações estáveis fora do casamento formal.
Conclusão
A união estável representa um avanço significativo na proteção das famílias no Brasil. Ela garante direitos e deveres semelhantes aos do casamento, reconhecendo a pluralidade de formas de convivência. Sua evolução jurisprudencial e legislativa consolidou a ideia de que a dignidade e a afetividade são os verdadeiros fundamentos das entidades familiares.
No futuro, a tendência é que a união estável seja cada vez mais fortalecida, com ampliação da proteção e simplificação do reconhecimento. O direito brasileiro mostra que não há um único modelo de família, mas sim diversas formas legítimas de constituí-la.