Casamento no Brasil: Regras, Procedimentos, Regimes de Bens e Direitos
Introdução
O casamento no Brasil é um instituto civil que produz
efeitos pessoais e patrimoniais. Ele nasce de um ato
formal perante o Registro Civil e é regido principalmente pelo
Código Civil e pela Lei de Registros Públicos. Além
de consagrar o afeto e o projeto de vida em comum,
o casamento organiza responsabilidades, define regime de bens e
assegura uma série de direitos e deveres.
Este guia prático e humanizado reúne, em linguagem direta, tudo que você precisa
saber para casar no Brasil: habilitação, documentos,
custos, cerimônia, regimes de bens,
pacto antenupcial, nome após o casamento,
casamento religioso com efeito civil, casamento no exterior,
nulidades, dissolução e um FAQ completo.
O que é o casamento civil?
É um ato jurídico solene pelo qual duas pessoas estabelecem
comunhão plena de vida e assumem deveres recíprocos.
A validade depende de capacidade, ausência de impedimentos,
manifestação livre de vontade e observância das formalidades
perante o Cartório.
Direitos e deveres dos cônjuges
- Fidelidade recíproca e respeito.
- Vida em comum no domicílio conjugal (salvo acordo diverso).
- Assistência mútua material e moral.
- Guarda, sustento e educação dos filhos.
- Dever de sustento e possibilidade de alimentos em certas hipóteses.
Quem pode casar? (capacidade)
- Maiores de 18 anos: capacidade plena.
- Maiores de 16 e menores de 18: possível com autorização dos pais ou responsáveis.
- Menores de 16: regra geral, não podem casar.
- Pessoas com deficiência: têm a mesma capacidade civil (com apoios, se necessário).
Impedimentos matrimoniais (quando é proibido casar)
Os impedimentos impedem o casamento e, se ignorados, geram
nulidade. Exemplos:
- Parentesco em linha reta (ascendentes e descendentes) e entre irmãos.
- Afins em linha reta (ex.: sogro e nora).
- Pessoa casada (enquanto não houver divórcio averbado).
- Condenado por homicídio ou tentativa contra o cônjuge do nubente.
Causas suspensivas (podem adiar ou limitar efeitos)
Não proíbem o casamento, mas recomendam cautela e podem impor
reflexos patrimoniais (ex.: comunhão somente após a dissolução de questões pendentes).
- Viúvo(a) com filho do casamento anterior sem partilha dos bens.
- Divorciado(a) sem partilha definida do vínculo anterior.
- Tutor/curador com seu tutelado, antes de cessar a tutela/curatela e aprovadas as contas.
Passo a passo para casar no cartório (habilitação e cerimônia)
1) Escolha do cartório
Procure o Cartório de Registro Civil do domicílio de um dos nubentes
(ou outro, mediante certidão). Alguns cartórios oferecem agenda online.
2) Documentos básicos
- Documento de identidade com foto (RG, CNH, passaporte).
- CPF.
- Certidão de nascimento atualizada; se divorciado, certidão de casamento com averbação.
- Comprovante de residência.
- Duas testemunhas maiores (para a habilitação, se o cartório exigir).
- Pacto antenupcial (se houver), em escritura pública.
3) Requerimento de habilitação
Com os documentos, dá-se entrada no processo de habilitação.
O registrador verifica a capacidade e a inexistência de impedimentos.
Após análise e publicações necessárias, é emitida a certidão de habilitação
(com prazo de validade).
4) Escolha de regime de bens
O regime define como os bens e dívidas serão administrados.
Se nada declararem, aplica-se o regime legal (comunhão parcial).
Para outro regime, é preciso pacto antenupcial.
5) Cerimônia
Pode ser no cartório, em diligência externa (fora do cartório)
ou por casamento religioso com efeito civil (com posterior registro).
Regimes de bens: como escolher
O regime impacta patrimônio, sucessão e
responsabilidade por dívidas. Escolha com base no projeto de vida,
sem tabus. Eis os principais:
Comunhão parcial de bens (regime legal padrão)
Comunicam-se os bens adquiridos onerosamente durante o casamento.
Bens anteriores, heranças e doações permanecem particulares.
É um regime equilibrado para quem constrói patrimônio a dois.
Comunhão universal de bens
Em regra, todos os bens (anteriores e futuros) se comunicam,
salvo exceções legais e cláusulas de doação/herança. Exige pacto antenupcial.
Indicado quando há confiança total e projeto patrimonial único.
Separação convencional de bens
Cada cônjuge mantém seu patrimônio independente. Exige pacto.
Ajuda a preservar autonomia e facilita gestão empresarial.
Em caso de esforço comum em bens específicos, podem surgir discussões sobre
meação de aquestos, conforme a prova do aporte.
Separação obrigatória (legal) de bens
Aplicável, por exemplo, a maiores de 70 anos e em outras hipóteses legais.
Busca proteger o idoso e herdeiros necessários, limitando a comunicação patrimonial.
Participação final nos aquestos
Durante o casamento, a administração é separada. Na dissolução,
cada um tem direito à meação dos aquestos (bens adquiridos onerosamente
ao longo da união), com apuração contábil. Exige pacto.
Pacto antenupcial: quando e por quê?
O pacto antenupcial é uma escritura pública que define
regime de bens diverso do legal e pode incluir cláusulas de
planejamento patrimonial, regras de administração,
doações, e previsões sucessórias (respeitados os limites legais).
Para valer contra terceiros, o pacto deve ser registrado no
Cartório de Registro de Imóveis (ou Registro de Títulos e Documentos,
conforme o caso) após o casamento.
Cláusulas usuais no pacto (exemplos)
- Definição de regime e suas regras detalhadas.
- Administração de bens próprios e comuns.
- Exclusão de comunicação de lucros empresariais específicos.
- Doações entre cônjuges com cláusulas de incomunicabilidade.
- Plano sucessório respeitando legítima de herdeiros necessários.
Nome após o casamento
É possível adotar o sobrenome do outro, manter o nome de solteiro
ou compor sobrenomes (observadas as regras do cartório e a razoabilidade).
A escolha é facultativa e igualitária para quaisquer cônjuges.
Casamento religioso com efeito civil
A cerimônia pode ser religiosa, com efeito civil, desde que:
(i) os nubentes estejam habilitados no Registro Civil,
(ii) a cerimônia siga as formalidades e, (iii) a
certidão religiosa seja levada ao cartório para registro
no prazo legal. O efeito civil retroage à data da celebração.
Casamento homoafetivo
O casamento civil entre pessoas do mesmo sexo é reconhecido no Brasil,
com igualdade plena de direitos e procedimentos. Cartórios não podem
negar habilitação, conversão de união estável em casamento ou celebração.
União estável x casamento: diferenças essenciais
A união estável é reconhecida como entidade familiar baseada na
convivência pública, contínua e duradoura, com objetivo de família.
Pode ser formalizada por escritura pública (inclusive com regime de bens).
O casamento é mais solene, com efeitos imediatos e
maior segurança registral. A união estável pode ser
convertida em casamento.
Casamento de brasileiros no exterior
Pode ser celebrado em consulado ou perante autoridade local, conforme a lei
estrangeira, com posterior registro no Brasil para plena eficácia.
É prudente consultar o consulado sobre documentos e prazos.
Casamento de estrangeiros no Brasil
É viável, desde que apresentem documentos válidos (legalizados/apostilados
e traduzidos, quando necessário) e atendam às mesmas regras de habilitação.
Planejamento familiar e parental
O casamento não exige filhos, mas facilita decisões sobre guarda,
adoção, poder familiar e registro.
O casal pode firmar acordos parentais (dentro dos limites legais) e
organizar testamentos para proteção dos herdeiros.
Responsabilidade por dívidas
Depende do regime de bens e da finalidade da dívida.
Dívidas contraídas em benefício da família podem alcançar ambos.
Em separação convencional, permanece a regra da autonomia patrimonial,
sem prejuízo de discussões sobre enriquecimento sem causa.
Efeitos sucessórios (herança)
Cônjuge é herdeiro necessário em muitas hipóteses, concorrendo com
descendentes e ascendentes, conforme o regime de bens e a composição familiar.
Planejar testamento e pacto ajuda a evitar litígios.
Nulidade e anulabilidade do casamento
Nulidade: ocorre quando há impedimento absoluto
(ex.: casamento entre ascendentes e descendentes). O efeito é retroativo forte.
Anulabilidade: casos como erro essencial sobre a pessoa
(fraude grave), vontade viciada ou inobservância de formalidade.
Aqui, há prazos e efeitos mais moderados.
Dissolução: separação de fato, de corpos e divórcio
O casamento pode se encerrar pelo divórcio, que não exige culpa
nem prazo mínimo de separação. Pode ser:
- Extrajudicial (em cartório): sem filhos menores/incapazes e com consenso.
- Judicial: quando há filhos menores, conflito ou temas complexos.
Podem ser tratados no divórcio: partilha, alimentos,
guarda e convívio. A separação de corpos apenas
interrompe a convivência; o divórcio extingue o vínculo.
Alimentos entre cônjuges
São excepcionais e fundamentados em necessidade x possibilidade.
Podem ser temporários para permitir reorganização de quem ficou
vulnerável após a ruptura.
Medidas protetivas e violência doméstica
Em situações de violência, cabe buscar medidas protetivas
(afastamento do agressor, proibição de contato etc.) e apoio em delegacias especializadas,
Ministério Público e Defensoria.
Casamento e previdência
O cônjuge pode ser dependente previdenciário para fins de benefícios
como pensão por morte, observados os requisitos do regime (RGPS/RPPS).
União estável comprovada tem tratamento semelhante.
Impostos e finanças do casal
É possível optar por declaração conjunta ou separada no IR,
conforme o cenário tributário. Planeje contas, fundos de emergência,
seguros e investimentos, alinhados ao regime de bens.
Checklist rápido para casar
- Definam o regime de bens (e façam pacto, se necessário).
- Separem documentos atualizados.
- Escolham cartório e iniciem a habilitação.
- Reservem data e testemunhas.
- Planejem nome após o casamento.
- Se for religioso com efeito civil, alinhem certidões e prazos.
- Guardem a certidão de casamento e providenciem atualizações cadastrais.
Erros comuns (e como evitar)
- Não pensar no regime de bens → Resultado: escolhas padrão que não refletem o projeto do casal. Solução: conversem e, se preciso, façam pacto.
- Deixar documentos para a última hora → Pode atrasar a habilitação. Solução: verifiquem validade e exigências do cartório.
- Ignorar causas suspensivas → Risco patrimonial. Solução: regularizem partilhas anteriores e tutelas.
- Não registrar o pacto → Perda de oponibilidade a terceiros. Solução: providenciem o registro após o casamento.
- Confundir casamento religioso e civil → Falta de eficácia civil. Solução: cumpram a habilitação e o registro.
Modelos curtos (inspiração)
Cláusula de administração (pacto)
“Os cônjuges acordam que cada qual administrará livremente seus bens particulares,
podendo aliená-los, gravá-los e onerar, sem a necessidade de anuência do outro, ressalvados os
bens comuns, cuja disposição dependerá de consenso.”
Cláusula de incomunicabilidade
“Fica ajustado que os bens recebidos por herança ou doação por qualquer dos cônjuges
permanecerão incomunicáveis, inclusive seus frutos, salvo estipulação em contrário em
título de doação.”
Perguntas Frequentes (FAQ)
Qual é o custo para casar no cartório?
Varia por estado e cartório, pois emolumentos são estaduais.
Alguns casos podem contar com gratuidade mediante declaração de hipossuficiência.
É obrigatório mudar o nome?
Não. Mudar o sobrenome é facultativo e vale igualmente para quaisquer cônjuges.
Posso casar fora do cartório?
Sim. É possível solicitar diligência externa (taxa extra) ou realizar
casamento religioso com efeito civil e registrar depois.
União estável tem os mesmos efeitos?
Em muitos pontos, sim, especialmente quanto a direitos de família e
previdência, quando comprovada. O casamento, porém,
oferece segurança registral imediata.
Como funciona o divórcio?
Pode ser extrajudicial (consensual, sem filhos menores/incapazes) ou
judicial. Não há necessidade de alegar culpa.
Regime de bens pode ser alterado depois?
Em regra, sim, mediante autorização judicial e
motivo relevante, preservando direitos de terceiros.
Posso casar se ainda não partilhei bens do relacionamento anterior?
Há causa suspensiva. O casamento é possível, mas pode produzir
efeitos patrimoniais limitados até a regularização. Busque orientação.
Casamento homoafetivo tem procedimento diferente?
Não. Mesma habilitação, mesmos documentos e direitos.
Conclusão
O casamento no Brasil é mais que celebração: é um
ato jurídico de cuidado com a vida em comum. Escolher o
regime de bens adequado, organizar documentos,
refletir sobre planejamento patrimonial e compreender os
efeitos do vínculo são passos que protegem o amor — e o futuro.
Com informação clara e planejamento, a cerimônia
vira um marco de segurança e liberdade, permitindo que o casal construa sua história
com autonomia, respeito e igualdade.